sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Britânico “The Guardian” assesta armas contra carne brasileira

Em matéria ilustrada com foto de poedeiras criadas em gaiola de uma granja brasileira (reprodução abaixo), o jornal britânico The Guardian afirma ter feito pesquisa na qual constatou que um quarto da carne comercializada no Reino Unido vem de produtores que não estão obrigados a obedecer às normas internas de bem-estar animal. Entre eles estão fornecedores do Brasil.


De acordo com o jornal, as más condições em que os animais são mantidos abrangem alta densidade em galpões de frangos e de perus, gaiolas de parição onde porcas são mantidas o ano inteiro e “castração física sem anestesia de javalis”. Não é o que ocorre no Reino Unido, onde os padrões de bem-estar animal são relativamente elevados comparativamente ao resto do mundo, “aqui inclusa a União Europeia”.

Mas embora o criador britânico atenda obrigatoriamente a esses padrões, não existe qualquer restrição na importação de carnes de países que não atendem aos mesmos requisitos e nos quais os custos são geralmente menores – diz o jornal. Daí um crescente clamor (de consumidores e de organizações de produtores) pela melhor identificação (rotulagem) dos produtos, para que haja uniformização dos procedimentos, “pelo menos na União Européia”.

Conforme o The Guardian, 25% da carne avícola consumida no Reino Unido vem de sete países europeus e do Brasil. Esses oito países “permitem a criação de frangos em alta densidade e não obrigam os criadores a manterem em boas condições a cama dos aviários”.

A propósito da densidade, o jornal cita que a legislação britânica a limita a 38 kg por metro quadrado (cerca de 15 aves com 2,5 kg), enquanto no restante da União Européia é permitido até um terço a mais (50 quilos ou 20 aves). Da mesma forma, o Reino Unido é mais exigente nas normas de acesso a comedouros e bebedouros, bem como na utilização de material de cama que seja confortável para as aves.

Clique aqui para acessar a íntegra da matéria, em inglês, divulgada no site do The Guardian. Aparentemente, sua preocupação é o bem-estar animal, mas o que está realmente em jogo é a proteção de mercado. Em cuja defesa poderá ser requerido (dos fornecedores externos) o atendimento das mesmas normas internas.

A propósito: aqui mencionamos apenas as carnes avícolas. Mas o The Guardian também fala da carne bovina fornecida pelo Brasil, “onde é permitida a marcação a fogo, a descorna e a castração sem anestesia”.

Mercado cortes contra e alcatra.

Embora os frigorificos pedissem na alcatra e contra, na quarta-feira entre R$ 8,80 a R$ 9,00 kg , na verdade esses produtos foram negociados entre R$ 8,50 a R$ 8,70 kg a prazo dependendo da procedencia do produto e ainda a R$ 8,40 a vista .

Brasil ganha espaço na venda de boi em pé e ameaça líderes

A exportação de boi em pé no Brasil cresceu, em seis anos, 24.000%. De acordo com o departamento de agricultura dos Estados Unidos (USDA), o País deve avançar, em 2010, mais 20%, enquanto a taxa mundial de crescimento por ano varia entre 3% e 4%. Segundo Alex Santos Lopes da Silva, analista de mercado da Scot Consultoria, se este ritmo se mantiver por mais cinco anos, além de o Brasil ser o primeiro no ranking mundial de carne in natura, também pode liderar o de boi vivo. O Brasil ocupa hoje o quarto lugar, depois do líder Canadá, seguido do México e da Austrália.
O Pará é o maior estado produtor, seguido pelo Rio Grande do Sul. Juntas, as duas regiões respondem por 98% das negociações do setor no mercado externo. "Começamos em 2003 exportando duas mil cabeças, hoje são 518 mil", diz Silva.
De acordo com números da Scot, no ano passado, o faturamento do setor no Brasil foi de US$ 419,5 milhões ante os US$ 740,2 mil de 2003.
A estimativa positiva da USDA, segundo Silva, se deve a sinalização da Venezuela: somente em janeiro, os venezuelanos adquiriram 35% a mais do que no mesmo período em 2009. O analista afirma ainda que mesmo com a desvalorização do dólar, o que encarece o produto brasileiro no mercado externo, as exportações de bois vivos em janeiro, se comparado ao mesmo período de 2009, recuou 1%, enquanto o faturamento cresceu 18%.
O Líbano - que prefere fazer o abate religioso em seu território, o halal, de acordo com os rituais islâmicos - importa do Brasil desde 2003. No entanto, de acordo com levantamento da Scot, a Venezuela, que começou a negociar com o País apenas em 2007, importou em três anos 139, 5 mil cabeças a mais do que os libaneses. "A política de tabelamento do preço interno na Venezuela, em 2007, desestimulou a produção local, acarretando em aumento de importação", diz Silva.
De acordo com o analista, o estudo da USDA aponta que os números de exportação do Canadá devem se manter estáveis em 2010, em torno de 1,2 milhão de cabeças. Já o México pode avançar este ano além da taxa mundial de crescimento (8%). Em 2009, os mexicanos exportaram 925 mil cabeças. A Austrália também se estabilizará na casa dos 910 mil animais vivos vendidos.
Para Ricardo Merola, pecuarista e presidente da Associação Nacional de Confinadores (Assocon), o crescimento das exportações de boi em pé está beneficiando os produtores do norte, Pará e Tocantins que vendiam gado abaixo do preço de mercado. "Vem em boa hora. O excesso de oferta permitia que os frigoríficos pagassem pouco", comenta.
Até o ano retrasado, ainda segundo o pecuarista, o Brasil comercializava apenas boi gordo, de aproximadamente 450 quilos. Hoje, a tendência é ganhar mercado externo com o gado de 300 quilos (ou 10 arrobas).
"O Oriente e a América Central tiveram problemas com rebanho e para repor estoque devem comprar gado magro." De acordo com o analista, Tocantins começou a exportar em 2009.
Silva disse que o Pará tem a vantagem também de contar com condições geográficas favoráveis que facilitam a comercialização, além de um custo de produção menor.
Segundo o analista, as chances de o Brasil ampliar ainda mais o leque de países compradores e seguir rumo ao topo do ranking mundial também depende da não sobrevalorização do real. "Uma cotação ideal seria o dólar entre R$ 1,90 e R$ 1,95", estima.
Para Merola e Silva, o avanço das exportações de animais vivos não compromete o setor de carne in natura. "O vivo responde por 1% do montante abatido", afirma o analista.
De acordo com o pecuarista, o crescimento de mercado externo para o País vai ocorrer até que os preços estejam equilibrados, ou seja, se um subir o outro tende a cair . "A disputa seria semelhante a do álcool com a gasolina em relação aos carros bicombustíveis", compara Merola.
Em 2009, o Brasil também exportou para o Egito um total de 8.208 cabeças, e para Angola, em 2008 e no ano passado, 120 bois em pé. Em anos anteriores, o Uruguai, em 2003, o Paraguai, em 2004 e 2005, e a Bolívia, em 2007 e 2008 também importaram do País um total de 1.701 bois em pé.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Crise bovina: BNDES aposta R$ 7,5 bi no Friboi e concorrentes reclamam


Há duas semanas, o frigorífico brasileiro JBS Friboi, maior empresa de carnes do mundo, colocou à venda um pacote de dois milhões de debêntures no valor de R$ 3,48 bilhões. Sem o aparente interesse do mercado financeiro, a BNDESPar, empresa de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, comprou 99,9% dos papéis. Os outros acionistas, entre eles a família Batista, dona de 59% do grupo JBS, adquiriram 0,05% da emissão e ainda restou uma sobrinha de 523 papéis que ninguém se interessou em comprar.
A operação foi feita para viabilizar o pagamento da última aquisição da companhia nos Estados Unidos: a Pilgrim"s Pride Corporation, destaque no mercado americano de frangos, que enfrentava dificuldades financeiras. A entrada no mercado americano foi o passo mais ousado de uma trajetória internacional iniciada em 2005, com a compra da Swift argentina, e que contou o tempo todo com o apoio do BNDES.
Ávido por viabilizar multinacionais brasileiras, tarefa que ganhou da política industrial traçada no governo Lula, o BNDES já colocou pelo menos R$ 7,5 bilhões no Friboi - de quem também é acionista, com uma participação de 22,36%. O apoio ao frigorífico supera outras operações emblemáticas, como os R$ 2,6 bilhões para o casamento Oi/Brasil Telecom.
Dono de um faturamento na casa dos R$ 30 bilhões, o Friboi tira hoje quase 80% de sua receita de operações nos Estados Unidos, Austrália, Itália e Argentina. Em apenas dois anos, multiplicou a receita líquida por dez. O BNDES vê nesse desempenho um exemplo do arrojo empresarial que gostaria de ver em outros setores diante das oportunidades potencializadas pela crise de compras de empresas no exterior por grupos brasileiros.
A aparente predileção do BNDES pelo Friboi levou o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, a endereçar uma carta ao presidente do banco, Luciano Coutinho. Ele diz reconhecer os méritos do Friboi - que também incorporou o segundo maior frigorífico nacional, o Bertin, em 2009, com a bênção do BNDES -, mas critica a intervenção do banco.
"O grande pecado do BNDES é o excesso. O País tem outras prioridades, por que jogar tanto dinheiro numa só empresa? Não há somente ela no mercado", reclama Salazar. Segundo ele, a concentração está impondo a rendição dos pequenos e médios frigoríficos à incorporação do Friboi e limitando as opções de venda dos criadores. "O BNDES pôs um volume colossal de dinheiro para criar uma multinacional sem diagnosticar bem a cadeia produtiva. E criou uma empresa assim, que pode fazer o preço do boi e da carne. Impossível competir."
Entre especialistas, a trajetória acelerada do Friboi também é vista com reservas. Analistas ouvidos pelo Estado afirmam que o compromisso do BNDES com a subscrição total das debêntures da última operação pode ter viabilizado um prêmio menor do que atrairia o mercado, amenizando o impacto no endividamento da empresa. Os títulos comprados pelo BNDES deverão se converter em 20% a 25% de ações da JBS USA, subsidiária americana do grupo em preparação para a abertura de capital.
Há reservas no mercado sobre o endividamento da empresa e sua alta exposição nos Estados Unidos, ainda às voltas com a crise. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade da família Batista de administrar tantos e tão diversificados ativos acumulados em pouco tempo.
"A internacionalização foi muito rápida e a empresa está muito alavancada. A gestão dos novos negócios ainda vai ser testada. É um desafio para o JBS colocar essas atividades internacionais em ordem, melhores do que antes da aquisição", opina Eduardo Roche, da Modal Asset. "A ótica do BNDES é mais a de apoio à multinacional. Sem o BNDES, com certeza não teriam esse fôlego e ainda teriam se complicado muito."
Para outro analista, o fato de o Friboi ter comprado empresas já em dificuldades financeiras em mercados afetados pela crise num setor de margem baixa também afasta os investidores. "Ainda há muita interferência da família", critica.
Os dois preferem os papéis do rival Marfrig, que apontam como mais sólido. O frigorífico, que fez aquisições recentes na Argentina e no Brasil, e outras empresas do setor também receberam apoio do BNDES por meio de capitalização, mas em proporção bem menor.
A área de mercado de capitais do BNDES recusa entrevistas sobre o Friboi, mas o diretor de Planejamento, João Carlos Ferraz, aceitou definir para o Estado o que atrai tanto o banco na empresa. Ao contrário dos estereótipos que a origem do grupo goiano alimenta, para Ferraz os irmãos José Jr., Wesley e Joesley Batista, o presidente do grupo, dirigem hoje uma empresa "extremamente sofisticada", cujo apetite casou com a expectativa do BNDES de formar empresas brasileiras de peso global, seja em que setor for.
"Eles têm um gás, uma disposição de crescimento impressionante. Conhecem o negócio profundamente. Soube que a mesa de operações dele é maior que a de um banco médio. Fecham posição de compra e venda em grandes volumes em alta velocidade e sabem, online, o que está acontecendo em cada unidade", conta. "Têm enorme propensão ao crescimento e se montam para isso. E nas operações de aquisição, parecem ter um respeito muito grande pelas idiossincrasias locais, mantendo os dirigentes das adquiridas para aprender com eles."
Ferraz refuta a crítica de que o banco usa dinheiro público para subsidiar empresas como o Friboi, lembrando que o BNDES usa mecanismos de mercado, como participações acionárias e debêntures, para incentivar aquisições. É também um investimento para o banco, que não entraria num negócio para perder, segundo ele.
A mesma lógica vale para os grandes conglomerados que o banco tenta promover. Por isso, embora reconheça ser mais desejável múltis de produtos de maior valor agregado, o diretor do BNDES diz que o País ganha ao começar esse processo pelos setores onde é mais competitivo, como o de carnes. Para ele, a modernização do Friboi profissionaliza os fornecedores no Brasil, onde permanecem o centro de decisão da empresa e os empregos mais qualificados.
"Claro que produzir carne não é a mesma coisa que avião. Mas, se olharmos a trajetória do JBS, principalmente com a diversificação dessa última aquisição, vemos que estão indo pela cadeia da proteína, agregando por unidade de produto. Há um movimento de sofisticação, dentro da indústria deles", argumenta Ferraz. "Não dá para colocar o Joesley para produzir chips."
Nenhum dirigente do Friboi aceitou conversar sobre o assunto, mas, em nota enviada por sua assessoria, Jerry O" Callaghan, diretor de Relações com Investidores, reconheceu que o BNDES é fundamental para a experiência internacional do grupo. "Sozinho, não teria sido possível (para o JBS). O apoio consistente do BNDES era fundamental para fazer a empresa chegar a ser hoje a maior companhia produtora de proteína do mundo e um orgulho para o País."